Análise do Spore pelo Finalboss

O Finalboss, um dos maiores sites sobre videogames do país, acabou de divulgar sua análise do Spore. Você pode conferir depois do pulo. 

Do Spore vieste, para o Spore voltarás.

A maioria de vocês deve conhecer bem a série "The Sims". Mais do que um jogo da EA, esta é uma das mais famosas criações de Will Wright, que no passado nos trouxe uma gama de jogos que ajudaram a formar o gênero que hoje conhecemos por simulador. "SimCity" foi lançado em 1989 e seu sucesso foi extraordinário. Depois, de sua mente criativa vieram "SimEarth", "SimAnt", "SimLife" e seqüências de "SimCity", já publicadas pela Electronic Arts após ter adquirido a Maxis, empresa fundada por Wright. Dentro da gigante do mundo dos games, o game designer criou "The Sims" e focou seus neurônios em expandir a franquia até onde a conhecemos. Trazendo novos ares à sua inventividade, Will iniciou em 2003/2004 um projeto tido como ambicioso, batizado simplesmente de Spore. A premissa do título era de oferecer ao jogador a chance de acompanhar a evolução de uma espécie, começando pelo nível celular na água, partindo para o de criatura evoluída na rede, desenvolvendo sua sociabilidade em tribos, cidades e chegando ao absurdo das viagens e guerras inter-galáticas, e isso tudo sem sair do conceito de "simulador casual" -- tal qual "The Sims", diga-se de passagem. Wright cumpriu suas promessas oferecendo um jogo em que poucas vezes uma pessoa jogará e terá o mesmo resultado que outra no planeta, visto que cada um tem a liberdade de escolher seus próprios caminhos, tomar suas próprias decisões, e elas afetarão o desenrolar do jogo. Embora não seja exatamente "o simulador" para todas as pessoas, não há como negar que existe aqui alguns aspectos grandiosos.

Spore traz como uma de suas principais características um complexo e extenso editor de criaturas, edificações e veículos. Ele pode ser usado e abusado antes mesmo de o jogador entrar no modo "campanha" propriamente dito, dando liberdade antecipadamente à imaginação de cada um. Essas criações, no entanto, só estarão presentes nas distintas etapas da campanha do jogador e não serão exatamente as que controlaremos ou possuiremos, mas elas povoarão o seu planeta, controladas pela CPU. O nível de opções é extenso: o jogador pode escolher orelhas, focinhos, bicos, bocas, olhos, chifres, tamanho e tipo de corpo, caudas, pernas, pés, garras, asas, braços, mãos, penas, tipos e cor da pele, texturas e muito mais. Todas essas partes podem ter seu tamanho aumentado, reduzido, sua extensão modificada, pode-se aumentar o número de vértebras, eliminar ou criar rabos, deixar os seres mais gordos, magros, altos, baixos... enfim, é difícil descrever em meras palavras todas as possibilidades desse modo de criação. Uma coisa é certa: quanto mais o jogador se chafurdar no editor, menor será chance de uma criatura inventada "existir" em outro micro da face da Terra. O mesmo vale para as construções e para os veículos, que podem variar de meros conversíveis a máquinas vindas diretamente de uma imaginação alienígena. Todas essas criações podem ser compartilhadas com o mundo através da Sporepedia: o jogador faz o upload de suas invenções e poder baixar as dos outros, que povoarão seu mundo. Quem não quiser ficar criando coisas poderá usar esse artifício ou ainda utilizar uma das centenas de criaturas, construções e veículos da própria Maxis, já prontos e disponíveis no próprio game. A tecnologia empregada permite que meras screenshots das criaturas (no formato PNG) possam ser salvas e reutilizadas pelo jogo para recriá-las em outras máquinas. Em um singelo arquivo de imagem, o usuário -- seja um veterano ou um garoto de sete anos -- pode ver a cara de uma criatura e ter as informações necessárias para colocá-la em seu jogo.

Além da quase certeza de que uma criatura sua não será igual à de outra pessoa, uma "vida" em Spore dificilmente será idêntica em dois PCs. Para iniciar a sua jornada evolutiva, o jogador primeiramente escolhe um planeta. Independente de qual seja escolhido, tudo começa na água, na "poça primordial", com o jogador controlando um mero ser unicelular. O controle é simples: os movimentos são apenas em um plano, e basta que apontemos e cliquemos para movermos esta célula. A aparência desse ser vivo não pode ser alterada de cara -- o jogador só escolhe se ele será herbívoro ou carnívoro. Essa simples escolha já afetará o seu desenvolvimento, não só na parte visual como também em seu comportamento mais para frente.

O game começa de maneira pacífica e tranqüila: o jogador aprende no início de cada etapa evolutiva a realizar as ações disponíveis e necessárias como comer (plantas ou restos de criaturas, dependendo da sua escolha), crescer, evoluir e, não menos importante, a perceber quando outros seres representam perigo. Conforme os alimentos são ingeridos, a célula vai aumentando de tamanho, e seres que antes eram seus predadores passam a ser sua caça, enquanto que outros maiores ficam visíveis. Conforme as criaturas são destruídas -- por você ou não -- aparecem ícones que indicam novas partes que poderão ser usadas para a próxima evolução. Quanto mais você adquirir antes do final do processo evolutivo, maiores serão as possibilidades. Um ser venenoso morto, por exemplo, pode liberar o item que nos permite, mais para frente, acoplar uma glândula emissora de veneno em nossa criatura. As opções são variadas, indo de flagelos e olhos a espinhos e bocas. A nomenclatura usada pelo jogo -- que está 100% em português -- algumas vezes segue os nomes reais, mas na maioria dos casos o pessoal da localização fez uma adaptação mais livre, dando nomes esquisitos e engraçados às partes das células. Cada uma possui um preço em "Pontos de DNA", adquiridos conforme sua célula come -- partes que o jogador não quiser mais poderão ser "vendidas" para dar lugar às novas, embora seja possível colocar mais de um tipo igual de parte ao mesmo tempo (duas bocas, cinco olhos, etc.).

Ao final de uma etapa, o jogador deve "acasalar" -- basta clicar em um botão e a fêmea responderá, e do casal nasce um novo ser. O jogador poderá modificar a aparência de sua prole, implantando as novas partes encontradas durante a jornada de seu pai, e continuar a jornada evolutiva com ela. Dependendo do que for adquirido e utilizado, sua célula poderá deixar de ser herbívora ou carnívora e comer outros alimentos, tornando-se onívora (come de tudo), ou mantendo sua escolha inicial. No final da parte celular de Spore, o jogador já terá uma criatura com alguns tipos avançados de membros, barbatanas, guelras, algo tendendo para um peixe, para um réptil ou anfíbio. Como já foi dito, tudo dependerá do que for encontrado e adaptado pelo jogador.

Essa parte de Spore -- que nos lembrou um pouco "flOw" (PSN, PSP) -- é relativamente curta, e pode não oferecer muitos desafios, dependendo do nível de dificuldade escolhido no início. No mais fácil, bastarão alguns meros minutos para que toda a fase celular seja concluída. Mas no difícil, a poça primordial estará abarrotada de criaturas maiores, mais rápidas e mais ferozes que a sua -- ver sua criatura ser dizimada por seres maiores é um fato corriqueiro, e ainda bem que podemos continuar infinitamente.

Depois de evoluir seu amigo e de realizar alguns ínfimos objetivos pedidos, chega a hora de começar uma nova etapa, agora em terra firme. Sua criatura poderá ter braços e pernas, mas continuaremos a controlá-la no sistema aponte-e-clique, e as ações serão realizadas em conjunto com a nova interface do jogo. A comida passa a ser uma preocupação constante, já que se gasta mais energia, o perigo dos predadores continua, e surge a necessidade de se impor, ou de arrumar amigos/aliados. Dependendo da "postura" definida por dois botões presentes no centro da HUD na parte inferior, o jogador poderá interagir de maneira pacífica ou agressiva com os outros habitantes do planeta. Os comandos na parte vermelha são de ataque e estão relacionados às partes equipadas em seu bicho: há habilidades ofensivas como "Golpear", "Investir", "Morder", etc., que são extremamente necessárias para os carnívoros se alimentarem. Com elas, sua criatura ataca de várias maneiras, deixando presas atordoadas, envenenadas e mais. "Cantar", "Dançar" e "Posar" são ações usadas para a parte de socialização entre as raças -- um mini-game de "repita o que eu faço" ocorre e os aspirantes a aliados pedem a você uma dessas ações. Caso você não tenha alguma delas, fica mais difícil agradá-los. E para ganhar os famigerados pontos de DNA, o jogador precisa ou se aliar às outras raças ou caçá-las. Existem outras habilidades úteis como "Planar", "Saltar", "Correr", "Rugir", dando ao bicho mais possibilidades em campo, como voar, planar, fugir em disparada e muito mais. Inicialmente, sua criatura deverá fazer tudo isso sozinha, mas conforme seu cérebro cresce, ela passará a contar com a ajuda de um parceiro de raça, chegando ao limite de três. Caso sua criatura seja herbívora, ela ainda poderá contar com a ajuda de outras raças aliadas para a hora de atacar, defender ou socializar.

Nessa fase "ação" de Spore, há muitos elementos que chamam à atenção do jogador. Além das principais características que mencionamos, existem dezenas de pequenos e médios detalhes que a equipe de Wright cuidou com esmero. Chuvas de lava quando vulcões entram em erupção, rápidas mudanças climáticas, ciclo de noite e dia, OVNIs fazendo pesquisas e assustando os bichos, predadores enormes com mais de 50 vezes a energia da sua criatura incluindo dragões, gigantes e outros seres indescritíveis são exemplos de coisas que o jogador encontrará e que enriquecem sua experiência. Essa etapa do jogo tem sua duração variada de acordo com o próprio jogador e o nível de dificuldade escolhido, além da opção de dieta, pois caçar é muito mais difícil e demorado do que clicar em uma árvore. A exploração em busca de novas partes, alianças ou caça também pode ser bastante demorada, porém será bem recompensadora no final. O jogador tem à sua disposição dezenas de partes que estão espalhadas pelo continente, e os fãs desse tipo de elemento terão uma vasta área para buscas.

Mudando novamente de cara, a terceira fase de Spore é a tribal, que deixa de ser "ação" para dar seus primeiros passos como um jogo de estratégia em tempo real. Quase todas as habilidades de sua criatura no estágio anterior são perdidas: o que fica, basicamente, é sua estética e sua saúde, que varia de acordo com o desenvolvimento e com as partes equipadas. Mas daqui para frente o que vai contar mesmo é o tipo de equipamento que você usar, que modificarão suas capacidades para "Socializar", "Coletar", "Combater", além da "Velocidade" e da "Saúde". Aqui o jogo passa a ser um ETR simples, de fácil aprendizado e manuseio, com algumas funções para os integrantes de sua tribo. Você controla os personagens clicando em seus avatares no canto direito ou diretamente neles na tela. Ordens podem ser dadas para toda a tribo, individualmente ou para um grupo selecionado manualmente no mapa. Para gerar o único recurso presente (comida), sua tribo deverá "caçar" alguns animais selvagens que habitam o planeta -- com os pontos de DNA o jogador construirá "estruturas" que fornecerão equipamentos que ajudarão na pesca ("Anzóis"), na busca por aliados e na sobrevivência. Para se socializar, há a opção de uma abordagem diplomática com a oferta de presentes para o chefe de outras tribos ou fazendo uma espécie de espetáculo com instrumentos rudimentares (maracás, cornetas) -- o mini-game é bem mais engraçado nessa fase. No entanto, há algumas tribos que podem não querer conversa, e por isso "lanças", "machados" e "tochas" se farão necessários, assim com algumas criaturas domesticáveis que ajudarão na defesa de sua vila. Inicialmente, sua "tribo" será formada apenas por três indivíduos -- sendo você o chefe. Mas, conforme outras tribos são "conquistadas" (pacificamente ou violentamente), seus conhecimentos são passados para a sua, e assim sua pequena vila aumenta e sua tribo ganha mais slots para novos integrantes, que nascerão e crescerão até poderem ser usados no grupo.

Spore muda mais uma vez de cara quando o jogador alcança a era das civilizações, com o primeiro passo sendo a construção de sua prefeitura. Dependendo de como você terminar o estágio tribal -- mais uma vez de acordo com suas ações -- sua nação será "militar", "comerciante" ou "religiosa". Cada uma delas terá um poder de persuasão ou dominação diferente sobre as outras nações. Nessa etapa, o jogador deverá, primeiramente, capturar as fontes de "especiarias", gerando "renda" e permitindo que modifiquemos a cidade com mais casas, fábricas e local de diversão. Fazer parcerias ainda é uma possibilidade, e conversas com nações vizinhas ocorrerão esporadicamente: o jogador poderá pagar por aliados para fins específicos como dominar certa cidade ou acabar com tal nação. A ordem nesse modo é "converter" religiosamente, "dominar" militarmente ou usar o cartão de crédito para comprar as cidades. Quando uma cidade é conquistada, ela passa a fazer parte de sua nação e o objetivo principal e único é a conquista de todas. Essa parte do jogo continua funcionando como um ETR, porém um pouco mais elaborado que o estágio tribal. As únicas unidades disponíveis são os veículos (suas criaturas agora são meras formigas que ficam andando dentro das cidades), que podem ser terrestres, aéreos e marítimos. Conforme o jogo vai se desenvolvendo, surgem algumas "superarmas conseqüenciais" para sua nação que ajudam e muito no advento de sua vitória -- cada uma tem um custo. Mas é no modo fácil e com uma nação religiosa que a habilidade-mor e mais curiosa surge com bastante rapidez. Com o apertar de apenas um botão (F4, no caso), todas as nações se convertem para o seu lado -- não importa quantas ainda forem independentes -- e você simplesmente termina a etapa da civilização. Útil para os jogadores que estiverem querendo passar logo de fase, mas os que estiverem curtindo e preferirem a vitória por seus próprios méritos, simplesmente poderão ignorar essa possibilidade.

Ao concluir o processo de unificação dos povos, sua civilização chegará ao advento das viagens espaciais. Você volta a controlar apenas um personagem, que será um piloto espacial com a missão inicial de entrar em contato com outras raças alienígenas em seu sistema solar. Nessa parte, Spore mostra toda sua grandiosidade: uma olhada na galáxia, e os jogadores verão dezenas de pontos passíveis de serem explorados no espaço, cada um representando um conjunto com um sol e dois ou três planetas. Esse modo é incrivelmente e visivelmente o mais amplo de todos -- arriscamos dizer que ele é maior que todos os outros juntos. O jogador poderá colonizar planetas inabitados, destruí-los, abduzir criaturas e plantas de um e colocar em outros tentando criar novas faunas e floras, terraformando-os para que aceitem as novas espécies. É possível criar rotas comerciais com impérios vizinhos, realizar missões para o seu e para outros povos, participar de guerras galáticas, enfim, como já dissemos, é um modo extenso e repleto de possibilidades. Não há como comparar com as demais etapas em termos de profundidade -- é praticamente outro jogo.

A música em Spore é incidental, e quase imperceptível. Tambores são ouvidos com grande volume quando estão ocorrendo combates ou grandes criaturas se aproximam, mas fora isso não há mais o que dizer delas. Em compensação, os efeitos sonoros, incluindo os sons que suas criaturas emitem nas várias etapas de sua evolução, são fantásticos e muitas vezes hilários -- The Sims possui seu próprio idioma, e com Spore não poderia ser diferente.

Uma das coisas que mais nos agradou em Spore é a eficácia do jogo em rodar razoavelmente bem em micros modestos. Nossa máquina estava acima de seus requisitos, mas mesmo em uma GeForce 6600 conseguimos uma frame rate alta com alguns de suas opções no máximo e outras em médio. O design de personagens é único e bastante carismático, e mesmo as criaturas mais bizarras ainda podem parecer engraçadas quando em movimento. As animações são estupendas e quando levamos em conta o grau de variantes possíveis em seu editor de criaturas e que ficamos mais estupefatos com a realização do time da Maxis. Outro ponto que nos deixou pasmos foi a quase inexistência de bugs. Com exceção de uma espora voadora em torno de uma criatura, não houve mais nenhum incidente indesejado digno de menção. A IA, no entanto, nos deixou com a sensação de carecer de mais trabalho, mais precisamente na parte de civilização onde os inimigos não costumam atacar eficientemente.

Spore é um mix de idéias boas, novas e antigas. O título é visivelmente dividido em cinco etapas distintas, cuja própria gameplay evoluiu da mesma forma que as suas criaturas. Tudo começa simples na água, quase um jogo tipicamente arcade, passa pela parte de ação, ganha seus atributos de gerenciamento, vira um game de estratégia em tempo real até chegar às viagens interplanetárias, o ápice de sua jogabilidade. Embora as primeiras fases sejam relativamente fáceis, a complexidade da última não é para qualquer jogador. Em contrapartida, os veteranos poderão achar as primeiras fases de Spore -- que são necessárias para se chegar à etapa espacial -- um pouco básicas demais, e somente na última encontrarão o entretenimento e o desafio que tanto buscam. Felizmente, depois que se passa dessas fases uma vez, pode-se iniciar um novo game da etapa que quiser.

A conquista tecnológica de Spore é digna do criador de The Sims e SimCity, seus principais "brinquedos virtuais", e permite um nível imenso de possibilidades na hora de criação de criaturas, veículos ou prédios. Mas esta não foi a única grande sacada da Maxis, pois o Sporepedia é um meio bastante simples e bacana de compartilhar esse conteúdo entre os usuários de maneira fácil e gratuita –- apesar dos existentes problemas de servidor. Quem tiver imaginação fértil poderá usar as ferramentas e criar os seres mais estranhos e bizarros, e quem não tiver paciência poderá simplesmente baixar uma dessas invenções e editar ao seu gosto. Até o fechamento dessa análise, mais de três milhões de criaturas haviam sido desenvolvidas pelos usuários com o Criador de Criatura, que foi vendido separadamente antes da estréia do jogo completo -- prova da grande aceitação do produto. Embora algumas de suas cinco faces possam parecer superficiais para alguns e a sensação de que algo ficou faltando estar presente em outras, Spore é, no saldo geral, uma coleção de boas idéias que formam um pacote fenomenal para o público em geral, com mais ênfase no casual.

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